terça-feira, 16 de março de 2010

DEMENE II

Quanto mais eu ando,
Mais vejo estrada
Mas se eu não caminho
Não sou é nada
Se tenho a poeira, como companheira
Faço da poeira meu camarada.
(Geraldo Vandré)

Se, em termos simbólicos, a citação acima se aproxima muito das minhas viagens, em termos reais ela não têm relação nenhuma com a viagem que eu acabo de fazer. Não havia estrada, tão pouco poeira, e meu camarada era o Robson, um amigo de faculdade.
Assim, seguindo a mesma logística que funcionara bem na primeira viagem, realizada seis meses antes, descemos em Manaus, tomamos um barco de linha até Barcelos, arrumamos um barquinho, colocamos nele nosso motor de popa e estávamos com a voadeira na água dois dias após sairmos de São Paulo.
Os bancos de areia expostos do Rio Negro, que avistávamos desde a saída em Manaus, preconizavam rios secos e uma navegação mais difícil. Por outro lado poderíamos contar com as praias dos rios, o que facilitaria muito nossos acampamentos além de tornar tudo muito mais seguro.
Tudo no barco, saímos às 8 da manhã seguindo fielmente os trilhos do GPS quando, ainda no Rio Negro, antes mesmo de alcançar a bacia do Rio Demene sentimos, sob o casco do barco, o primeiro banco de areia. O choque não chegou a nos desequilibrar, mas foi o suficiente para que nos preocupássemos bastante com nossa sorte e com a velocidade do nosso avanço. Naquelas condições teríamos que diminuir a velocidade, escolher os caminhos por entre bancos de areia que se formavam segundo uma geometria que não conseguiríamos desvendar naquela viagem.

Por mais advertidos que tivéssemos sido sobre a vazante desses rios durante dezembro e janeiro, não acreditamos que um rio daquele tamanho, com o volume d’água que conhecemos em julho, pudesse secar a ponto de dificultar a navegação de uma voadeira, barco que precisa de um palmo d’água pra cumprir sua tarefa.
O Demene e o Araçá nascem na divisa com a Venezuela e estão, portanto, sujeitos ao regime de chuvas do Hemisfério Norte. Assim, em pleno verão austral, marcado por enchentes históricas em todo o centro-sul, vivíamos ali um período de estiagem, também histórico.
Seguimos cruzando o Rio Negro em direção à foz do Demene na esperança de que lá a situação fosse melhor, de que o nível das águas tivesse mais alto, com melhores condições de navegação. Doce engano. O Demene encontrava-se tão ou mais baixo do que a calha do Rio Negro.
Após o segundo meandro, um grande banco de areia aparece a nossa frente, bloqueando quase totalmente nossa passagem à montante. Começamos a contornar, buscando um canal mais fundo, sem muito sucesso até nosso barquinho encalhar de uma vez. A cena era insólita: andávamos sobre o leito do rio com água pela canela. Não tínhamos nem um palmo d’água necessários à navegação. Tentamos ainda levantar o motor, diminuindo o ângulo em relação à popa do barco o que melhorava mas não resolvia nossos problemas. Naquele momento soubemos que nossos planos para aquela viagem iam, quase literalmente, por água abaixo. Nossas pretensões para aqueles dias morriam naquele banco de areia. Em nenhum momento achamos que o rio seria intransponível, mas sabíamos que naquele ritmo não faríamos o trajeto que esperávamos fazer com os dias que tínhamos.

Seis meses de planejamento, todas as nossas provisões e expectativas por ali ficavam. Seguimos arrastando o barco. Robson puxava por uma corda amarrada na proa e eu empurrava a popa. A água escorria sob nossos pés. Passamos o perrengue daquele banco de areia e, com alguma cautela continuamos até a encrenca seguinte. No ritmo que avançávamos avistamos ao longe um outro barquinho. Enrolamos mais o cabo até alcançá-lo, na esperança de que os ribeirinhos embarcados trouxessem alguma espécie de conhecimento centenário capaz de nos ensinar a navegar melhor por aquelas águas. Tratava-se de um batelão, uma canoa de madeira escavada em um único tronco, emburrada por uma rabeta, um tipo de motor de popa, mais leve, mais versátil e que rende 6,5 HP. No batelão 3 pescadores subiam o rio no mesmo ritmo que nós. Quanto às técnicas de navegação, sem nenhuma surpresa, para a decepção dos mais bucólicos. Tudo o que estava ao nosso alcance era mesmo o domínio sobre o motor à combustão interna e é sobre essa questão que girava a principal rivalidade a bordo. Eu tenho lá meus interesses no assunto e o Robson encerra uma contradição que muito me intriga: o sujeito que hoje é professor, geógrafo, mestrando e trotskista, outrora fez Ensino Médio no SENAI, nos anos 90 e não consegue olhar para uma peça de aço sem pensar na sua fabricação no torno mecânico. Afora isso alguma noção de cinemática nos permitia calcular nossa velocidade e consumo, projetar nossa autonomia e prever o ponto mais à montante que poderíamos alcançar, o que não era nada animador.

Seguimos viagem ao lado dos ribeirinhos até convencê-los a nos ensinar a pescar. Foi aí que sentimos que o esporte salvaria nossa empreitada. Com a ajuda deles venho o primeiro peixinho, o segundo e preparamos o jantar em conjunto: nós entramos com o arroz e eles com o peixe. Dormimos contando histórias.

Pela manhã, ao planejar o perrengue do dia seguimos nossa tendência dicotômica de pensar o mundo: se não conseguiríamos acessar a primeira natureza do médio e alto rio Demene, que entrássemos então no mundo da cultura e usássemos aqueles dias para conviver, conversar, trocar com os ribeirinhos que navegam e realizam suas vidas, pelas águas do baixo Demene, entre a foz e as poucas comunidades que sobrevivem antes do médio curso.
E assim foi durante o café e por todo aquele dia quando decidimos dormir duas noites no mesmo acampamento.
No dia seguinte continuamos nosso perrengue encontrando outros longos e difíceis bancos de areia no meio do caminho. No mais difícil deles, já se ia mais de uma hora desembarcados e com o pé na água, quando o Robson, que sempre ia na popa grita ao ver uma raia passar por ele. Eu, no susto eu caio pro barco, pego a câmera e faço o registro que começava a salvar nossa dignidade na viagem. Arraia de água doce? Na Amazônia? Eu ainda duvidava do que via quando Robson punha à disposição seus conhecimentos enciclopédicos discorrendo sobre a história natural do bicho.
Ao fim do segundo dia, aportar na areia se mostrara tarefa tão difícil quanto navegar. Avistávamos as intermináveis praias de uma areia incrivelmente brancas àquele horário do dia, mas não conseguíamos chegar até eles pois bancos de areia submersos impediam que chegássemos até as áreas secas. Não conseguíamos amarrar o barco nem pisar em lugar seco.
No entanto, se A Geografia Serve antes de mais nada para fazer a Guerra, haveria de servir também para nos ajudar a encontrar algum lugar para acampar. No entanto a velha questão do método assombrava nossa tarefa e caímos mesmo no tentativa e erro até que, depois de cerca de uma hora procurando, Robson pela praia e eu de barco pelo rio, o sujeito me acena, indicando que ali havia de se conseguir aportar. Seguindo o pequeno canal que se abria por entre os bancos de areia consegui aportar nosso barquinho. A noticia era boa demais e se acabou em breve. Ali havia sido acampamento de caçador e os cascos de tartarugas assadas ainda encontravam-se entre a areia. Ao nosso olhar urbano os casquinhos davam conotações sinistras ao lugar de paisagem tão incrível e nos afastamos o quanto conseguimos dos restos da chacina. Eu, com meu olhar tão vegetariano não me conformava com a morte dos bichinhos, enquanto o Robson me constrangia com seus arguntos pós-modernos: "o inferno são os outros", "vá trabalhar em ONG", dizia ele, de modo a fazer eu me sentir constrangido, além de tudo.

Com o sol se pondo começamos o trabalho de terra. Montamos acampamento, jantar, cachaça, e o que mais se fazia nessa viagem: conversa. A profissão, a infância, o casamento, o dinheiro pouco, o medo de avião...
No dia seguinte, ficamos esperando a água passar e com ela uma família de ribeirinhos, no mesmo perrengue que nós.


Lá se iam um casal, quatro meninas, um cachorro e meia dúzia de filhotes de tracajá, (tartarugas), que a essa época do ano se reproduzem nos bancos de areia e que foram colhidos no caminho. A família era da comunidade Bacquara, distante quatro dias de viagem de Barcelos, no rio Aracá que naquela época do ano só é acessível por barcos muito pequenos, como os nossos. Dos quatro filhos apenas um havia nascido em Barcelos, os outros três na comunidade que não chegamos a conhecer.
A logística de deslocamento por toda aquela região nos intrigava ainda mais a partir do contato que tínhamos com os moradores. Por mais próximos que pudéssemos estar da chamada natureza, ainda que já secundarizada, estávamos irremediavelmente diante da unicidade técnica: todos ali dependiam suas vidas do motor à combustão, aliás, todos de marcas japonesas.


No dia seguinte começamos a descer o rio Araçá de volta à Barcelos. Assim foram esses dias: dois sujeitos, um barquinho empurrado pelo nosso motor de popa e um rio amazônico, agora quase seco.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Bacia do Demene

Pra quem já leu relatos anteriores, a mesma conversa: mais uma infantil e fetichizada tentativa de acesso à primeira natureza.
No entanto desta vez nossa região literária envolvia logística mais aprimorada, cartografia mais precisa e a difícil tarefa de aprender a navegar, única forma de deslocamento na Amazônia.
Passa então que descemos, um camarada e eu, em Manaus ao meio dia e às 6 da tarde, depois de muita correria atrás dos insumos, estávamos no porto de São Raimundo, embarcados em um recreio para Barcelos, 400 km Rio Negro acima.

Depois do perrengue e tensão de andar em Manaus levando quatro malas, duas mochilas, 7 galões de combustível e um motor de popa, as 35 horas no recreio pareciam uma boa forma de descansar. Aí aquela viagem de gringo. Todas as horas no recreio, a imersão, o rio negro...
Naquela montanha de conversa jogada fora, produto dos quase dois dias à incríveis12 quilômetros por hora no rio negro, ouvíamos a mesma coisa que se repetiria por todos os lugares em que passamos: que nossa viagem estava fadada ao fracasso, que não seria possível para nós, dois estrangeiros, navegar sem um prático ou ao menos um caboclo eu conheça bem os rios.

É claro que nós contávamos com o GPS e com toda a sorte de tecnologias de informação espacial, o que era difícil de explicar e impossível de entender. Mas, se outrora essa auto-suficiência me orgulhava, agora me punha numa condição de prepotência que eu não precisava ali.
Na Amazônia todo mundo é ribeirinho. Seja o das comunidades, seja os citadinos. Todo mundo conhece rio, vive do rio. Lá eu não precisava fugir de guarda-parque, ignorar guia, pular a cerca de parque nacional... Lá eu conseguiria um caboclo que me levaria pro mato numa outra relação com dinheiro, sem precisar me blindar dos discursos de eco-sustentabilidade, ou preservação sócio-cultural. A Amazônia, em todas as suas contradições, se mostraria, ainda, de verdade.
Só ali eu percebi que quando eu substituí, no meu planejamento, o caboclo pelo GPS eu também trocava o conhecimento de campo pelo de gabinete, o saber do outro pelo meu e assim negava qualquer possibilidade de aprender alguma coisa. Nisso eu fazia o que todo o Brasil faz em relação à Amazônia: desconsiderar seus moradores. Quando se pensa em Amazônia não se pensa em gente. No máximo se pensa em cientistas e na carência deles, mas não se pensa em quem vive ali... Em grande medida era o que eu também fazia.
Acontece que tudo estava pronto e eu também não poderia negar minha intenção de me virar sozinho na bacia mais desabitada do noroeste do amazonas.
Acordamos na alvorada de sexta-feira, com a buzina do barco e todo mundo desmontando as redes e arrumando as coisas pra desembarcar em Barcelos.

Em pouco tempo estávamos na pousada do Seu Macedo, na beira do rio negro. Com meia hora de conversa tínhamos o bote e nossa voadeira estava pronta, na água, para o nosso primeiro ensaio. No dia seguinte nosso teste de fogo seria atravessar 52 quilômetros de ilhas fluviais ao longo do Rio Negro e achar a foz do Demene, na outra margem. Isso durante a maior cheia dos rios desde 1953 onde tudo se confunde e o leito se descaracteriza completamente. Eu, sinceramente, não conseguia pensar em uma combinação pior de fatores.
O motor pesava muito pra nossa carne pouca e carregá-lo tornava-se tarefa penosa. Depois de algum tempo colocamos o motor no barco e, já cansados, começamos nossa empreitada.
Do alto do barranco Seu Macedo e seu neto assistiam nossa destrambelhada, desajeitada mas até que competente tentativa de navegar o barquinho. Meu meticuloso companheiro pensava tanto antes de fazer qualquer coisa que até fazia careta.


Depois de perceber que quando se vira o leme para um lado o barco vai para o outro e que os dois precisam remar ao mesmo tempo se quiserem ir para o mesmo lugar, começamos a avançar.
Com o motor ligado saímos então à sudoeste, procurando fazer o caminho que repetiríamos no dia seguinte.
O fato é que realizamos nosso teste com algum sucesso e eu iria para a cama com uma euforia que só os ansiolíticos conseguiriam baixar.
No dia seguinte a água do amazonas começara a fazer efeito em organismo paulista, o que me deixava mais tempo no banheiro do que fora e isso atrasou consideravelmente nossa saída.
Com o rio cheio tínhamos muito pouca opção de acampamento e saindo às 10 da manhã já não alcançaríamos naquele dia os bancos de areia que eu havia cartografado.
Com o sol da Amazônia à pino abastecemos nossos galões com os 300 litros de gasolina que calculamos e seguimos em direção ao Demene.
Depois de uma hora contornando as ilhas, sempre guiados pelos vetores do GPS alcançamos a foz do Demene, rio sobre o qual eu lia desde fevereiro de 2006.
Impossível agora era imaginar algo funcionando tão bem. Barco, motor, GPS. Todo o aparato técnico criado por nós ao longo da história permitia uma velocidade de deslocamento impensável antes dos motores à combustão interna. Enquanto Robson tocava o barco e o colocava em cima da linha que tracei em casa sobre as imagens de satélite e tudo batia zero.
A cada curva de rio os cliques no mouse passava a ter um significado diferente e todos os finais de semana dedicados ao planejamento da empreitada agora passavam a valer à pena.
Toda a paciência que a Jana teve ao me ver no computador nas noites de sábado agora subiam o rio comigo.
Meu projeto, por mais desgastada que essa palavra esteja ,agora se realizava. As ilhas sumiam e o Rio Negro apresentava-se imenso, abrindo-se assustadoramente em um único canal.

O Demene nasce na divisa com a Venezuela, na vertente oposta ao Orinoco e percorre 600 quilômetros de floresta até sua foz, no Rio Negro. Sua bacia hidrográfica deve ser maior que muito país europeu e consiste na área mais longínqua da Amazônia. Em 1993 a EMBRAPA embarcou uns 30 pesquisadores em um barco laboratório e subiu parte do rio. Os relatórios estão na internet. Meu primeiro acesso foi a 3 anos atrás quando me sobrava tempo e me faltava dinheiro. Daí então a idéia de jirico de repetir e ampliar o caminho da EMBRAPA a bordo do nosso barquinho, o que fazíamos naquele momento.
No segundo meandro do rio um jacaré-açú faz a sua e logo à frente uma serpente cruzando o rio.
Às duas da tarde cruzamos a única comunidade de ribeirinhos de todo o Demene e ali decidimos parar. Robson encontrava-se obsecado pela castanha-do-pará e fez uma senhora descascar meio quilo delas enquanto versava sobre suas qualidades nutricionais e assim evocava as riquezas naturais da nação.
Decidimos então pousar ali e continuar subindo o rio no dia seguinte. Robson encontrava-se mais conversador do que o de costume e percebi que reservava sua timidez apenas para os grandes centros. Perguntava sobre todas as frutas, árvores e animais conhecidos da comunidade e confrontava as informações com seu conhecimento enciclopédico. Lá Robson comeu um peixe local e eu, mais enjoado, um atum enlatado.

A noite caiu e abrimos o notebook para planejar o percurso do dia seguinte. Agora era a minha vez de apresentar meus mapas e confrontá-los com as informações caboclas dos nomes dos rios e as distâncias entre eles. Aí, por meio de fotos, tentamos reconstituir nosso modo de vida em São Paulo, oportunidade de ouvir a risada espontânea e gostosa de toda a comunidade ao saber que eu morava em uma casa de 3 metros de frente, o que lhes parecia incomensurável. Risada que só acabou quando eu achei as fotos que mostravam que aquilo era verdade. Quando a bateria do notebook se foi os homens se retiraram para jogar dominó sobre a tampa de uma geladeira de isopor, no terraço da casa de madeira. Fomos dormir, pelo último dos próximos dias, ainda sob o céu do hemisfério sul.
Pela manhã então despedimos da comunidade e de todas as formas humanizadas da paisagem e tocamos sentido norte. Às 11:37 alcançávamos a latitude zero, o que foi amplamente festejado à bordo. Durante as 9 horas de barco com motor aberto que faríamos naquele dia a Amazônia se mostraria de perfil como se mostra de cima: monocromática, monotemática, monótona. O ruído absolutamente constante do motor também reforçava a coisa, o que para mim, particularmente, é ótimo.


Nos afastávamos a um ritmo muito maior do que as minhas previsões mais otimistas. Nosso 25HP voava, tudo andava bem e eu, que agora pilotava sentia-me tão concentrado com poucas vezes na vida.. O silêncio no barco denotava o sucesso do avanço. Paramos apenas duas vezes para transferir para o tanque a gasolina dos galões.

Às três da tarde o GPS acusava a foz do cuieiras, afluente da margem direita, e um boto mucuxi surgiu, parecendo indicar o caminho. Pretendíamos alcançar ainda naquele dia uma formação de arenitos, conhecida localmente como serrinha, e esse seria nosso ponto de acampamento. Pelas nossas contas chegaríamos com o sol indo embora, o que nos fez enrolar o cabo e fazer uma média de 20 milhas, o que são aproximadamente 36 km/hora, que na água é coisa pra burro.

Às 5 e meia a visão da serrinha na proa do barco, despontando após um meandro do rio, é comemorada. Avistávamos o que víamos por foto em uma incursão da EMBRAPA feita em 1993. As serrinhas são Inselberg’s. São morros testemunho, pois como sugere o nome testemunham um relevo do passado. Há tempos toda a região era mais alta. Todo o entorno da serrinha foi erodido, os sedimentos se foram rio abaixo, mas a serrinha, por algum motivo, permanece.

Continuamos subindo o rio até que o nosso navegador percebeu que a serrinha havia ficado para trás e não havia ponto nenhum em que pudéssemos acessá-la sem abrir uma picada. Aí a noite desmoronou, começamos a pegar toco pelo caminho o que fazia levantar nosso motor e nos assustava. Decidimos então, já sem luz, aportar em uma pequena prainha que resistia à cheia do Cuieiras.
A primeira noite no inferno verde da Amazônia justificaria seu codinome. O calor era insuportável, mesmo durante a noite e mosquitos de todas as qualidades serviam-se à vontade, sem cerimônia. Os conhecimentos do Robson sobre as doenças tropicais e sua insistência no assunto só nos preocupava ainda mais com a idéia da Malária. Dormi ouvindo o sujeito inventariar todos os insetos da região e as doenças a eles relacionadas.
Durante o café da manhã uma ariranha faz a sua descendo, graciosamente, o Cuieiras olhando-nos atonitamente. Já não mais avistávamos nenhuma forma na paisagem produto do trabalho e a ruidosa fauna reforçava em nós a sensação de ingressar no mundo dos elementos naturais. Os gritos de araras, os roncos dos macacos, o barulho dos peixes rompendo a superfície da água. Tentamos ainda, sem sucesso pescar alguma coisa, numa linhada improvisada.
Depois do sol das duas horas, coisas no barco, descemos o rio em direção à serrinha, procurando um ponto em que o trecho da picada fosse o menor possível. Doce ilusão. Abrir picada no facão não é fácil para braços de professores. Avançar, se não era impossível era, desanimador. Dentro da mata o dossel encobria o morro, nos tirava a direção e a poças de um metro de água acabaram por frustrar nossa tentativa de alcançar o afloramento rochoso.
Subindo o rio novamente a situação começava a piorar. Com a cheia navegávamos sob a copa das árvores e sobre os seus troncos e recorrentemente o motor batia e nos preocupava. Por algumas vezes o motor chegava a morrer e quando isso acontecia também afogava. Os minutos que passávamos com ele desligado trazia uma angústia enorme e nossas piadas, uma constante a bordo começavam a escassear, embora em alguns momentos fossem inevitáveis. Se por outras vezes na história dependemos nossas vidas do motor à combustão interna nunca isso havia ficado tão evidente.
Mais algumas horas rio acima decidimos aportar, desta vez ainda com sol. Ali passamos uma noite. Noite meio aperreada. Montamos o acampamento e com uns 30 minutos na barraca a gente ouve um bicho grande cair na água a uns 10 metros da barraca. Isso e a falta de fogo por conta da madeira molhada nos fez dormir um uma luz acesa e um olho aberto.
No dia seguinte, em rápida reunião decidimos que continuar subindo o rio poderia ser arriscado demais. O motor pulando a cada toco que pegávamos nos preocupava.

Abandonamos então as possibilidades de enxergar a Serra do Araçá e passamos a descer o rio. Em ponto à jusante da serrinha achamos terra firme e montamos acampamento. Ali a paisagem do Cuieiras se torna ainda mais tórrida. A formação vegetal assume feição de restinga litorânea entrecortada de palmeiras que lembram em muito as veredas do cerrado, em pleno continente amazônico. Isso nos dava possibilidade de andar, coisa que não fazíamos há dias. Numa pequena pernada vimos rastros de cateto, anta, onça. Parece pouco, mas não é. Saber que o bicho passou a pouco por lá dá uma sensação incrível. Uma por saber que ele passou mesmo e que pode estar perto. Que isso ainda existe. E outra por essa incrível noção de simultaneidade em história: nós localizados por satélite e o bicho lá, andando..


Ali passamos mais alguns dias e começamos a voltar para o meio técnico do Rio Negro e de lá todo o caminho de volta para casa.
Chegamos em Barcelos com o sol se pondo. Marcelo um paranaense que mora em Barcelos e pretende trabalhar com turismo, nos viu aportando e veio nos receber. Contou então das previsões de toda a cidade sobre a nossa incursão. Ao nos ver sair tão desajeitadamente, sem ninguém que nos guiasse e ainda de colete salva-vidas (o que seria mais ou menos usar cinto de segurança nos anos 80) toda a gente desacreditava no nosso êxito e menos ainda no nosso retorno.
Robson invocava o bandeirantismo paulista do século XVIII, procurando de alguma forma nos associar a ele e com isso salvar um mínimo de dignidade.
Viagem sem precedentes essa: perrengue, técnica, barco, planejamento e amizade numa das áreas mais remotas da Amazônia brasileira.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Relato Noroeste da Argentina

DE MENDOZA AO NORTE
Não era a primeira idéia mas virou um Road Movie total. Todas as horas na estrada. Meio Paris Texas, meio Mad Max. A única variável dos insumos que de fato importava era o diesel. Viagem besta, na verdade. Difícil explicar. Seria besta de verdade se a estrada não me remetesse a tantas coisas, se dirigir não me permitisse me distanciar do vivido, entrar no pensado. Sei que rasgar todo esse chão me faz um sentido incrível, sei lá porque. Reflexão xucra, pequena, meio infantil, mas é no que eu vejo graça.
Passa que embarcamos os meninos com minha mãe e o Marcelo em Mendoza na véspera do ano novo e tomamos a estrada ao norte. Ali deixávamos os meninos e também as cidades.Durante a parte urbana da viagem, Buenos Aires e Mendoza, todo meu esforço de compreensão da realidade esteve voltado para criar uma maneira de fazer meus filhos pararem de brigar. Esses 10 dias, portanto, estão desprezados no relato.De Mendoza, no pé de serra, pegamos a estrada de novo e, enquanto a Jana dormia, eu pensava que desta viagem, para as outras que eu fiz, algumas coisas mudaram. As minhas incursões pelo planalto central brasileiro, afora todas as outras viagens que eu havia feito na vida só se fizeram, fantásticas como foram, na precariedade. Precariedade minha e dos lugares por onde andei, e na precariedade, propriamente, estava a viagem. De ônibus, à pé, de gol.E, por mais que isso me agradasse, por vezes me orgulhasse, não era o que eu vivia ali. Um mínimo de honestidade me fazia ver que 2008, pra mim, se trouxe conquistas importantes, trazia rupturas consideráveis e com elas, perdas.

Lá eu estava de Toyota, GPS novo, Câmera nova e um cartão de crédito o que, em outras palavras, significava meu nome limpo. E ainda, o mais incrível, a certeza de emprego para o ano seguinte. Há um ano, tudo o que eu precisava pra viajar era álcool e pilha pro GPS. Um carburador novo pro gol seria um sonho impensável.
Contudo ali estávamos e rumávamos ao norte pela ruta 40. Os vastos campos se alargavam e a vegetação diminuía o porte; as árvores sumiam e tudo o que era vivo resumia-se a arbustos, touceiras e a pequena fauna que corria entre eles e por vezes cruzava a estrada.

DO CENTRO AO NOROESTE DA ARGENTINA
Da província de Mendoza entramos em La Rioja e tomamos a ruta 60, procurando por dois parques nacionais argentinos: Talampaya e Ishigualasto. Outro dia de estrada, outra estrada interminável e nós à 100 km/hora, no máximo. A Hilux é lenta, fato. Fato que fica mais claro nas estradas argentinas, sobretudo quando os ônibus nos ultrapassam. Isso diminui a velocidade do nosso deslocamento, aumenta nosso tempo na estrada e quase nos irritava. Nas vezes em que isso acontecia me consolava pensar que levamos 6 mil anos de história pra vencer a velocidade do cavalo e não seria eu que reclamaria dos 90-100/hora, mesmo que os caminhões nos superassem. Dormimos em Villa Union, cidade próxima e que servia de sede à administração dos parques. Naquela noite já se percebia a relação daquele lugar com os outros. A cidadezinha era bem invocada para o que se propunha e os parques mais ainda. Daí pra frente tudo ficou mais osso. Hotéis mais caros, carros mais novos: o parque havia, em algum momento, sido considerado “patrimônio da humanidade”, lia-se isso pela cidade inteira, e isso explicava a inflação do lugar.No dia seguinte estávamos lá, na portaria do parque que cobrava, 40 pesos pela entrada, e outros 85 por pessoa, em um tour de 4 horas na Kombi da empresa concessionária, que te dava direito a incríveis 30 minutos de caminhada monitorada por trilha demarcada, no interior do parque. A coisa ficava então por 250 pesos, algo como 80 dólares, 200 reais por uma manhã de visita à natureza (sic).Não precisa de muita obra de pensamento pra concluir que alguma coisa anda muito enviesada na relação homem-natureza e, sobretudo, na relação homem-homem que se produzia naquele espaço-tempo. ?Como algo que é considerado patrimônio da humanidade pode ser acessível somente a uma parcela muito pequena dela? (80 dólares/ casal/4horas) Como o estado organiza uma incursão por uma reserva “natural” em um passeio que me obriga a ficar três horas e meia sentado na Kombi climatizada e me “permite” 30 minutos de caminhada? Não passamos da portaria. Adeus Talampaya.Fizemos um outro parque, provincial, sem a alcunha da UNESCO e, portanto, mais barato: o tal do Ishigualasto. Ali caros 70 pesos nos davam a chance de acessar as feições da paisagem produtos da erosão sobre rochas sedimentares, basicamente arenitos, que denotavam parte do nosso passado geológico, com atenção para o triásico e, por isso, guardavam presença fóssil dos primeiros dinossauros. A mesma vegetação agora era emoldurada pela pré-coordilheira de La Rioja que subia 5 mil metros ao fundo na paisagem.

DE VILLA UNION À CATAMARCA
De La Rioja entramos na província de Catamarca e de fato as coisas ficam mais interessantes. Catamarca já é a Região do Noroeste Argentino (NOA) que tanto buscávamos. Seria o equivalente ao nosso nordeste: mais precário, mais pobre, mais bonito, mais hard core com distâncias igualmente cavalares. Ali toramos para a primeira cidade com abastecimento e a mais próxima do mundo urbano. Fiambalá é umas dessas poucas dezenas de cidades do mundo como São Pedro do Atacama ou Lençóis, na Bahia. Cidade que agrega mochilas de todas as partes do mundo rico. Onde noruegueses e suecos se encontram e as línguas latinas são estrangeiras, mesmo na América Ibérica. Fiambalá servia de base urbana para a saída aos maiores picos do noroeste argentino: o Cerro Bonete com 6759 o Pissis com 6882.
Além de base material para empreitadas às altas altitudes, Fiambalá abrigava também os discursos em relação às montanhas. Na verdade consistiam, ao meu ver em algumas versões pós-modernas para o “chamado da montanha”.Aí então a coisa ficava mais engraçada. Ouvia-se, todas as formas de narrativas criadas por nós em relação às pobres montanhas. As mais óbvias e enviesadas ficavam mesmo por conta do “desafio pessoal” de alcançar o topo, da superação.. aquela coisa de montanhista, e nisso aproximava-se muito daquele papo surfista da onda perfeita (sic), das forças da natureza... Narrativas mais sofisticadas também habitavam, na alta temporada, a pequena cidade. Nessas outras o monoteísmo predominava e fundia-se Deus e natureza. Nada novo, nem tão previsível: todo profeta na história que se preze, de Moisés a Maomé, passando pelo nosso Cristo, teve lá alguma revelação nas montanhas, ou percebeu que esse seria um bom lugar para tê-las.Eu nisso tudo só ficava mais impressionado: como chamar de natureza, ainda, lugares tão impregnados de significados? Tão coberto de intencionalidades, seja lá de quem for. Mais do que nunca, só conseguia pensar essa montanha como uma relação entre os homens. Algo que, se foi produto de processos naturais, geológicos, hoje é muito mais produto de significações, alvo de narrativas, objeto da indústria de equipo, enfim...

Dos 1800 aos 4700
E lá fomos nós em busca do sagrado, da superação, do chamado interior... Subiríamos naqueles dias até laguna verde, a 4200 metros antes chegando até os 4700. Deixamos o asfalto aos 3200 de altitude e até lá tudo bem. A partir daí o que se chama de Puna, ou mal de altitude começa atacar, primeiro a Jana, e algumas centenas de metros acima, a mim. Pra Jana uma dor de cabeça, forte, pra mim, uma tontura, leve, mas insistente. A paisagem muda totalmente. A partir dos 4000 metros somem as touceiras e a vida parece desaparecer. Tudo fica muito hostil e apesar de o GPS indicar que é possível rola um certo medo.Dali para frente, o frio era intenso, o vento absurdo e todo ambiente extremamente hostil. Minha parca experiência de acampar em ambientes tropicais de nada serviria em alta montanha e as sensações térmicas aos quais estávamos submetidos não encontravam precedentes para os corpos viventes no nível do mar.Depois de duas horas de trilha, de subidas muito íngremes avistamos a laguna de aparejos e junto a ela, ao longe, Flamingos. A paisagem de fato é extremamente singular, os mares de montanhas circundando os altiplanos, as lagunas de um azul muito intenso nas porções mais baixas.

Percebemos que sair do carro era uma tarefa árdua, que recorreria certo planejamento e incorria em algum risco. No entanto essa conclusão só veio depois de algum perrengue: a primeira visão de flamingos nos fizera sair do carro de maneira completamente destrambelhada e não levamos agasalhos suficientes nem pra uma brisa tropical. Assim o primeiro pé de vento quase nos derruba e meus dedos começaram ficar congelados. A Jana não podia mais ouvir falar em flamingos e tudo o que queríamos era algum tecido sintético. Ainda assim eu saltava sobre a rala vegetação que livrava meus pés da água gelada permitindo me aproximar do centro da lagoa, com a câmera entre as mãos, tentando algum registro das tais aves.

Ali era mais difícil ainda aceitar a associação entre Deus e natureza. Pra mim a aproximação mais aceitável seria com o diabo. O ambiente se mostrava completamente hostil e nos sentíamos completamente dependentes dos sistemas técnicos que nos levaram até lá. Enquanto meus dedos ameaçavam congelar e a fotografia não mais resistia à tremedeira das minhas mãos os flamingos assistiam, impassíveis, as minhas tentativas de equilibrar-me naquele solo e manter meus pés secos. A surpresa ficou por conta do ninho que eu quase chutei: estavam se reproduzindo.

De volta ao carro continuamos à leste até perceber que nossa tentativa de acampar naquelas altitudes era totalmente domingueira. Alta montanha requer planejamento, disposição, obstinação, grande dose de paciência e, na minha opinião, uma capacidade de reflexão muito pequena sobre o que se está fazendo. Não era definitivamente nosso caso e então, retornamos. Na volta, o tal do apunamento, mal causado pela escassez de oxigênio, volta a nos incomodar e tudo fica bem punk. A Jana agora vomitava e começamos a duvidar que chegaríamos em Fiambalá naquela noite. Eu contava a relação entre metros andados e os metros descidos e a coisa parecia andar em um ritmo muito ruim. Não baixávamos nunca. Já sem luz do sol buscávamos pelos trilhos da ida, sempre com ajuda do fiel escudeiro GPS. Esse, entre nós, era o único que não demonstrava cansaço. A pobre Hilux sentia muito a combustão incompleta, produto da mesma escassez de oxigênio e fumaçava muito. Mesmo durante a noite, quando o vento estava à favor, via-se a nuvenzinha preta, produto da não queima de parte do diesel. No entanto só fui entender isso na volta, conversando com moradores e mecânicos. Àquela altura acreditava que a fumaça era o motor pedindo água, ou o descanso que não podíamos dar, e isso só aumentava minha preocupação.
Contudo, ainda que aos poucos, avançávamos e continuávamos a fazer o que só se fazia naquela viagem: seguir. Dali pro asfalto e depois pra Fiambalá onde procuramos a mesma pousada de dias antes. Ali, a senhora nos deu um chá pra puna que melhorou consideravelmente nossa tontura, poupando-nos de ir receber oxigênio no posto de saúde da cidadezinha, o que eu já vislumbrava.

DE FIAMBALÁ À ANTOFAGASTA DE LA SIERRA

No dia seguinte, acordamos sem hora e, crentes de o perrengue da viagem tinha ficado por conta do dia anterior seguimos, por caminhos alternativos à Antofagasta de Lá Sierra, cidadela 200 km ao norte. Segundo as cartas que levamos e as trilhas do GPS o caminho era possível e essas eram todas as informações que reunimos sobre a travessia.
Tomamos então o norte e a estradinha surpreendia a cada horizonte. Via de regra subíamos por antigos caminhos incas. Pequenas casas lembravam muito a feição do nosso sertão nordestino, como o tradicional aceno de crianças que ainda se encantam de ver um carro passar, coisa definitivamente rara por aquela região. Atravessávamos campos floridos, vales mais encaixados, topando sempre com casa de morador, o que reforçava em nós a visão do bom selvagem, e regatava um pouco essa nossa sensação de natureza amiga. Incríveis dunas de uma areia muito branca e fina surgiam pelo caminho.

Mas essa nova impressão duraria poucas dezenas de quilômetros. Terminando a subida da escarpa acessamos as porções mais altas e deixávamos para trás os inca-descendentes, as flores, as casas e, o pior, a água. A paisagem assumia agora feição tão linda quanto hostil. O solo ficava cada vez mais arenoso e a estrutura do agregado que sustentava a tração do carro tornava-se cada vez mais frágil. Por vezes o carro ameaçava ficar nos obrigando sempre a velocidades mais altas e a não parar nunca, sobretudo no plano.
Enquanto ainda subíamos, a situação já era ruim, mas os horizontes sempre curtos não nos davam a real compreensão da encrenca e, a passos rápidos avançávamos.
A surpresa viria por conta do horizonte que se abriria no entre morros que víamos desde há muito. Quando alcançamos a “cela do cavalo”, feição do relevo que sugere tal forma, e todo um grande deserto se desacortinava à frente compreendi o significado da expressão frio na espinha. A Jana, por mais calma que até então procurasse se mostrar acabou por desistir da pose e perdeu a postura. Ali, abrimos o mapa do notebook e, na ponta do lápis fizemos primeiro as contas mais pessimistas. Estávamos a 90 quilômetros de uma estradinha que ligava duas cidades e, se o carro ali ficasse, em 3 dias de caminhada estaríamos na tal estradinha.
A conta, por pior que fosse, nos tranqüilizava e assim comemorávamos cada quilometro de deslocamento, cada metro de tração. Nos próximos 30 minutos tudo melhoraria muito, e “apenas” 70 quilômetros nos distanciava da estradinha, o que muito nos acalmava. A Jana já não chorava e um solo mais consistente, coberto por cinzas vulcânicas nos animava muito. Naquele ritmo toramos parte daquele deserto até atingir um chamado Campo de Pedras Pome, conhecido na literatura sobre a região que eu li antes da viagem.

Dali tudo ficava muito melhor e na luz do fim do dia alcançamos a tal da estradinha, chegando pela noite em Antofagasta, onde procuramos a hospedaria municipal.
Em Antofagasta ficamos 3 dias, procurando locais mais acessíveis, sítios arqueológicos, e pequenos vilarejos, até deixarmos Catamarca e seguir à sudoeste, já voltando.




SALTA

Chegamos em Salta e ali ficamos. A cidade é lindíssima e só queríamos noites em cama, chuveiro razoável e café expresso. Salta é lindíssima, mas perceberam isso antes de nós: a urbanização da colonização espanhola seria interessante para usos futuros e hoje espanhóis e seus vizinhos retornavam, por outros motivos à àquela porção do território da prata e, via de regra, ocupavam as praças centrais. De fato ali parecíamos estranhos à todos. Não éramos Argentinos, nem europeus. Todos dizem que a argentina está cheia de brasileiros, só se for em Buenos Aires. Nós não vimos nenhum, nenhunzinho, nada. Pra não mentir uma placa do Rio na periferia de Buenos Aires, e só.Ali, antes de encarar os 2700 km, até São Paulo sentamos, como nossos europeus, em um dos restaurantes da praça central e pedimos, em pobre espanhol, algo para comer. O problema foi que a moça, por engano, trouxe uma cerveja ao invés da coca pedida, nos obrigando a ficar mais um dia na cidade.
No dia seguinte, pela manha então, esquentamos o carro no pé da coordilheira para só deixá-lo esfriar em São Paulo, 35 horas depois.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Relato PARNA Sempre Vivas

DE CASA ATÉ DIAMANTINA
Sob olhares dos que vivem pela ética protestante do trabalho partimos, um amigo, Uirá, e eu, para a porção norte da Serra do espinhaço, nesse enclave de férias no meio do semestre que a República e esse feriado de consciência negra proporcionaram a alunos e professores, mesmo que a contragosto dos donos das escolas particulares.
Estávamos mais ou menos livres na hora do almoço, ao soar o sinal da última aula nas escolas em que trabalhamos, mas o planejamento, noção tão cara à realização das coisas, dobrou-se diante da minha organização.
O dado é que só saímos às duas horas de uma madrugada fria, onde remanescia uma garoa fina e bonita na cidade. Acontece que a mesma garoa caía também no asfalto e ajudou o carro não parar quando um infeliz cruza minha frente, entre a minha casa e a do Uirá: uma lanterna quebrada. E justamente agora que, depois de anos, e em uma das poucas vezes na vida, eu conseguiria pegar a estrada com o carro e documentos em ordem.
Como pegaríamos a marginal Tietê, passamos em uma auto-peças 24h, na Marques de São Vicente. Sim. Uma pérola do mundo pós-moderno: uma auto-peças funcionando às 3 da manhã e com fila. O sujeito na minha frente comprava os 4 amortecedores do opala que ele iria reformar no feriado, e vamos que chamar isso de cultura, não?
Lanterna trocada, irrompemos a Fernão Dias, com o Uirá já dormindo no banco de trás, embalado pelo doce som do ronco do rolamento de rodas gasto que nos acompanharia pelos mil quilômetros que nos aguardava.
Enquanto eu pensava que poucas situações na vida me agradavam tanto como aquela que eu vivia um soninho me alcançava, produto ainda do lexotan que eu tomara nas horas anteriores, para tentar dormir um pouco. Nada que um café, uma coca e uma água no rosto não resolvesse.
Tudo ia muito tranqüilo até eu atropelar um cone na estrada, o mesmo arrancar o protetor de cárter que quebraria a homocinetica esquerda e nos deixaria duas horas parado e duzentos reais mais pobre.
Problema resolvido atravessamos sem grandes observações a capital mineira, a BR 040, e tomamos a pista simples para Diamantina, quando Uirá pega o carro e me deixa dormir um pouco. Cerca de uma hora depois a paisagem assume a feição que nos seria familiar pelos próximos cinco dias: longos campos rupestres, entremeados por cumes e paredes de quartzito que a esse horário do dia ficavam iluminados pelo sol do fim da tarde. Na linda Diamantina achamos uma pousada, assistimos a uma peça de teatro de rua, nas quais as crianças encenavam a fuga dos fariseus de não sei onde ..., tomamos a última coisa gelada dos próximos dias e fomos dormir.

DE DIAMANTINA À SEDE DO IBAMA
Acordamos sem hora, coisas no carro e tomamos o asfalto por 10 km até a saída pela estradinha de terra que nos conduziria à São João da Chapada, uma currutela com uma dúzias de casas de pau-a-pique, outra dúzia de tijolo baiano sem reboco e algumas igrejas, onde deixamos para trás a energia elétrica. No caminho os horizontes se ampliam, os interflúvios ficam mais longos, cobertos por gramíneas e arbustos e os córregos vão ficando menos encaixados, paisagens típicas das áreas mais chapadas da região do espinhaço.
De lá pegamos uma estrada-trilho para Macacos, uma vila menor e mais bonitinha que São João, já sem energia elétrica, lugar ao qual recorreríamos caso o Gol não vencesse as areias quartzosas do Campo São Domingos, nosso destino.
O trilho seguia agora tortuoso, entre paredões rochosos, mostrando-se ora vermelho (latossolo), ora branco (areias), cortando córregos e subindo progressivamente até atingir os 1300 metros de altitude, segundo o GPS e a carta. Percebemos que deveríamos temer os trechos de areia, onde o carro agarrava, perdia velocidade e ameaçava ficar. E foi, justamente em um trecho desses, onde não entrei com velocidade suficiente foi que o gol “agarrou”, pra nosso desespero. Segundos mais tarde ouviríamos o ruidoso som de motos que levavam dois sujeitos que prontamente se puseram a empurrar o carro e nos tirar a encrenca. Mais espertos, e ajudados pelos trechos menos sinuosos, alcançamos a Sede do IBAMA, antiga fazenda Kolpping, onde deixaríamos o carro, montaríamos as mochilas e “bora pro mato”. Na Sede um brigadista do IBAMA preparava um arroz-feijão, fazendo o Uirá “almoçar” às 11 da manhã...
A uma da tarde, começamos a caminhada, com as mochilas mais cheias o que estariam por todo o resto da viagem. Uirá, nosso cozinheiro, levava vegetais e temperos para a primeira refeição, o que reduziria consideravelmente o peso das mochilas, sobretudo da dele. Cortando o Campos São Domingos, tomamos a continuação do trilho, que rumava sempre à noroeste, fazendo com que avançássemos a ritmo satisfatório em direção às nascentes do Rio Jequitaí, nosso objetivo para aquele dia. Três quilômetros à frente o caminho se bifurcava e tomamos a saída mais ao norte, atravessando uma cerca, seguindo o trilho que agora tornava-se menos consistente e descia a vertente em direção ao curso d’água. Avistamos a mata ciliar do fundo do vale e rumamos ao norte, deixando para trás uma cerca, a última forma construída, produto do trabalho, que veríamos pelos próximos três dias.

A partir deste ponto o caminho tornava-se mais frágil e o mato mais fechado, ao mesmo tempo em que a paisagem ficava mais interessante. Cruzamos então um longo interflúvio, caminhando por cerca de uma hora entre campos cerrados, ora verdes ora queimados, avistando grandes formações rochosas ao norte e nordeste e sem sinal de água. Ali seguíamos por um trilho, cada vez mais próximos à formação, quando, às 4 da tarde, via-se, ao longe, uma prainha de rio. Em breve reunião, decidimos acampar por lá. Ainda era cedo, mas no dia seguinte andaríamos por terras nunca dantes andadas, por nós e por ninguém, segundo nossas previsões, pois sairíamos dos trilhos conhecidos tentando “torar” fundos de vale (e suas matas ciliares), procurando alcançar os campos que se via ao longe.

Nosso cozinheiro preparava comida enquanto eu fazia uma cama de gato, com capins secos, montava a barraca em cima e acendia a fogueira. A noite transcorreu bonita e tranqüila. Dormimos esperando o fogo se apagar.
No alvorecer do segundo dia, enquanto Uirá dormia, percorri nosso córrego à montante, caminhando pelas areias do leito do rio semi-ocupado pelo curso d’água. Quando o córrego fazia uma curva e ficava mais encaixado, um paredão rochoso se apresentava à esquerda e não deu outra: subi a parede. A cada metro acima, a grande formação rochosa ao norte ficava mais visível, e com ela os interflúvios adjacentes que, cobertos por campos cerrados, lembravam uma formação savânica africana.
À ESMO PELOS CAMPOS
Às nove horas, mochilas montadas, cruzamos o córrego, enchemos as garrafas e seguimos à jusante, caminhando por capins curtos e verdes, até o caminho desviar-se para leste. Nessa altura o trilho tornava-se cada vez menos consistente, confundindo-se com trilho de gado que outrora pastava na região. Mas o meio oferecia pouca resistência, começando a surgir afloramentos rochosos, entremeados de árvores, e capins baixos, rebrotando da queimada recente. Ali uma flora bastante exótica aos nossos olhares remanescia entre os matacões de quartzito, com a presença de mandacarus, em plena florada e toda sorte de cactáceas e leguminosas. Ao longe se avista os intrigantes campos que me tiravam o sono desde a caminhada anterior, que eu fizera em julho, com a Janaina. Daquele ponto em diante caminharíamos por caminhos e descaminhos totalmente desconhecidos. A sensação de estar levemente perdido nos acompanharia pelos próximos dias. Dali, descemos a vertente em direção à mata ciliar. As árvores cresciam em porte e com elas cresciam a resistência do meio à nossa invasão. Cerca de 15 minutos depois chegamos ao leito do córrego que encontrava-se com pouca água, mas ainda assim nos obrigava a descalçar a bota e andar com a mochila sobre a cabeça. Torado o fundo do vale, seguimos pelo entre-morros que se apresentava e rumava para o norte, nosso objetivo. Ali paramos para comer uma cenoura, tomar água e fazer fotografias dos totens nos cumes dos morros e da “pedra furada” que, na verdade, era produto de erosão diferencial e não de ação eólica.


Daquele ponto tocamos uma pernada de cerca de duas horas, longe d’água e com sol a pino, ao mesmo tempo em que o caminho se desfazia por completo. A cada ângulo de visão a situação piorava. A tão almejada primeira natureza se mostrava agora tão indiferente à capacidade narrativa do homem quanto de fato ela é. Uirá procurava caminhar pelos altos, onde as árvores pareciam oferecer menos resistência, mas apenas pareciam. A pernada não era impossível, era apenas inviável, mas tão inviável quanto retornar pelo mesmo caminho. E como o que não tem remédio, remediado está, nosso remédio era seguir. A minha interpretação geomorfológica não sugeria água por perto. Eu inferia apenas a presença de um córrego há alguns quilômetros à noroeste, antes de uma grande formação que se via ao fundo, o que, considerando o ritmo a que avançávamos, e o estado em que estávamos, não era nada promissor. Pouco a frente, Uirá mudava o curso da caminhada, virando à direita tomado pelo seu senso geográfico... Eu, como esperava que ventasse pra qualquer direção, contanto que ventasse, segui docemente seus passos até ouvi-lo gritar como uma criança... um córrego. Eu ainda duvidara, pois a feição do relevo não me sugeria água. Aproximando, avisto o espelho d’água, o São Francisco, o Ribeira do Iguape, o Tapajós... Na verdade deveria ter uns 6 metros de margem à margem, mas era uma pintura..

Ali ficamos por umas duas horas, se tanto... fizemos aquele sanduíche de atum, cenoura, uma laranja, banho de rio e um descanso sobre as pedras.
Com certo pesar pusemos as mochilas no lombo, atravessamos o riozinho descalçados e seguimos por outro trecho bastante cruel da empreitada.. Ali, a paisagem apresentava feições savânicas. Na saída Uirá chama a atenção pra uma pegada fresca na areia, provavelmente um tamanduá indo beber água...
Ali procuramos seguir para o norte, tentando torar a mata ciliar e o cerrado, agora mais fechado, na vertente adjacente, mas a resistência não era pequena. Nosso atleta seguia à frente, abrindo bravamente alguma passagem em meio aos arbustos, mas o ritmo do avanço não animava. Voltamos ao córrego, desviando à noroeste, mas ali caminhávamos sobre o leito semi-abandonado na época, pela estiagem. Ali caminhamos por rochas, perto da água, na paisagem mais bonitinha da viagem e avançando a passos rápidos (os do Uirá mais rápidos do que os meus). Nessa altura, mesmo com o vento soprando à favor, uma certa melancolia me atingiu porque eu, de certa forma, sabia que ali abandonaríamos o norte para sempre naquela viagem. Dificilmente conseguiríamos retomar a direção à noroeste e voltar pela vertente leste da formações que se via na carta. O rio seguia encachoeirado e cada vez mais encaixado, com vertentes mais abruptas nas duas margens.
Após cerca de uma hora de caminhada, o córrego atingia o fundo do vale, em uma pequena planície de aluvião onde, à jusante, encontrava-se certamente com outros córregos que vinham do norte. Ali também a transposição era impossível, o que reforçava minha idéia de abandono da idéia inicial para o trajeto. O sol já arrefecia quando decidimos subir um pouco o córrego e montar acampamento nas prainhas de areia que se formavam entre as rochas na época de estiagem. Mochilas vazias, banho de rio, barraca montada e Uirá preparava nosso jantar. Teríamos arroz, lentilha e batata palha.

Como o cozinheiro acabara com um cartucho de gás na noite anterior, o sujeito improvisou uma fogueira entre pedras e colocou ali as panelas para cozinhar... as instruções do manual de escoteiro devem ter sido seguidas porque a engenhoca deu certo e jantamos sem usar um novo e derradeiro cartucho.

Depois do jantar dormimos, ouvindo o murmúrio do vento entre as árvores, o som das águas entre os quartzitos e os estalos da madeira verde queimando...

PROCURANDO RETORNO
Na manhã seguinte, após o café, mochilas ao lombo novamente, agora consideravelmente mais leves, e saímos do vale pela vertente sul, subindo as paredes até alcançar terrenos menos escavados. Do alto do morro víamos, olhando para nordeste, o vale do rio que descemos no dia anterior e à noroeste víamos as formações pelas quais não andaríamos naqueles dias. Descemos à pequena várzea visitada no dia anterior e de lá seguimos pelas feições mais brandas do relevo, que nos levava à leste. Naquele dia faríamos a opção por andar maiores distâncias por terrenos mais palatáveis, ao invés de cruzar mato cerrado e paredões de pedras. Seguimos então o entre - morros na saída da vargem, caminhando por campos cerrados, que nos levavam cada vez mais a leste. A intrigante sensação de andar a esmo já cedia lugar a certa preocupação de minha parte de atingir caminhos humanos ou andar por campos mais promissores em direção ao mundo conhecido. Nesse terceiro dia no mato trabalhávamos com o limite da escassez das provisões e dos dias livres (na quarta deveríamos estar em sala de aula)... Administrando essas variáveis, seguíamos mais ou menos felizes, mais ou menos frustrados para o Leste. Pelas coordenadas GPS e a carta sabíamos que estávamos à uns 20 km de Pé de Serra, o que sugeria um vilarejo localizado ao pé da serra (do Espinhaço). Andamos por cerca de uma hora quando, na margem de um pequeno curso d’água, um mourão, nos sinalizava a presença consistente do trabalho, categoria tão cara aos humanos. Ali entrávamos de novo no mundo das formas humanizadas, e um caminho cada vez mais consistente seguia fielmente à nordeste. Passado o córrego seguimos longas vertentes, por meio à vegetação mais alta, mais exuberante, com o Atleta sempre na frente. Ao deixar o mato alto, depois de uma hora de caminhada, entramos na várzea de um outro córrego, onde uma cerca denotava a propriedade privada ou sua tentativa de demarcação, e algumas casas abandonadas entre mangueiras sinalizavam alguma atividade econômica, agora abandonada.

Ali caminhos seguiam o córrego à jusante, fazendo o acesso daquelas casas à Pé de Serra, supúnhamos nós. Nesse momento a trilha se bifurcava e campos à sudeste nos pareciam acessíveis daquele ponto. Ficava aí a possibilidade de tentarmos avançar e retomar a outros caminhos pelo mato mas preferimos andar por caminhos, mesmo que esse não nos levassem na direção do carro. Tomamos então a trilha mais confiável e rumamos, agora sempre à noroeste, em direção à Pé de Serra, segundo nos informava a carta e o GPS. Cerca de uma hora depois o trilho deixava o córrego, para minha preocupação, seguindo por um entre-morros à leste, ali cruzamos uma porteira, e encaramos uma árdua subida e na seqüência um interminável campo, repleto de sempre-vivas. Como deixaríamos os campos naquele dia apanhei algumas dessas plantinhas para trazer para meu amorzinho, violando severamente as regras do parque nacional.
Por volta das 13 hrs, o caminho voltara a encaixar-se em um vale aberto e à frente, por entre as árvores, os campos, cultivados, apareciam cerca de 500 metros abaixo de nós. Naquele instante sabíamos que deixávamos para trás os caminhos ainda muito pouco usados da Serra do Espinhaço..

Na seqüência seguia agora uma larga empreitada não muito divertida: a decida da serra. Chegávamos à Pé de Serra, cerca de 3 horas depois, já muito cansados, e com danos quase irreversíveis nos pés, duas bolhas nos meus e um dedão machucado depois de um escorregão do Uirá.
Em Pé de Serra tomamos um café e 4 litros d’água na casa de um caboclo que nos arrumou condução para Curumataí e já adiantava que não conseguiríamos rodagem para Diamantina. Em Curumataí, um apanhado de casas ao longo de uma única rua, fomos deixados pelo Zezinho na casa de sua tia, que nos acolhera, com um arroz, feijão, farinha, pimenta, banho, cama, e café até a manhã seguinte.
Pela noite, depois de um lamentável Brasil e Venezuela, dormimos, muito cansados, mancando e preocupados pela empreitada do dia seguinte: nas previsões otimistas 25 km em um caminho desconhecido.
Passamos pela noite tranquilamente. Ao som de um vento muito forte que entrava pela janela aberta.

DE CURUMATAÍ À SEDE DO IBAMA
Neste último dia acordamos cedo, nos despedimos de D.Zumira, e tomamos os caminhos indicados pelos caboclos no dia anterior. Preocupado e poupando a região mais dolorida dos pés saímos do vilarejo cruzando as serras que nos levava à sudeste, em direção ao carro. NO GPS eu controlava a direção, ritmo e distância percorrida durante o trajeto. Comemorava cada décimo do caminho, o que representava 2,5 km. A marca dos 10 km andados, com a bolha do meu pé sob controle transformaram minha preocupação em euforia e mantivemos o ritmo do inicio da caminhada. Depois de cruzar uma grande vargem, trecho de mata e topar com as referências passadas pelos caboclos do dia anterior, começamos a avistar as formações rochosas que avistamos no trajeto da ida. Ali, depois de alguns erros, tomamos o trilho certo que nos levou direto ao carro.
De lá sem transtornos para BH e no dia seguinte para São Paulo.
Viagem sem precedentes essa. Seis dias, três passados nos campos, dois caminhando por lugares que ainda não figuraram na história dos homens. Sessenta e cinco quilômetros andados por campos, cerrados, carrascos, matas ciliares, córregos, todos de morros... na porção mais preservada do norte da Serra do Espinhaço.